Não há forma de conhecer o vinho sem passar pela vinha. E é chegados ao Douro,  pela melhor estrada do mundo, a N222, à paisagem cultural classificada como Património Mundial da UNESCO , que percebemos a natural unicidade que tantas vezes encontramos nas garrafas de vinho que daí são originárias e do icónico Vinho do Porto.

Na mais antiga região vinícola demarcada e regulamentada do mundo, o solo é inclinado, de xisto, o sol brilha 2500 horas por ano, a precipitação é pouca, o clima é seco e a temperatura de 35º é frequente. A visita num dia quente permite perceber sem dificuldade a máxima “nove meses de inverno, três meses de inferno”.

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São 10h da manhã quando chegamos à Quinta das Carvalhas da Real Companhia Velha, no Pinhão, para dar início à Harvest Experience 2015. É a primeira vez que a casa criada por Alvará Régio em 1756, pelo Rei D. José e iniciativa de Sebastião José Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, abre as suas portas ao público para uma experiência de um dia de vindimas e convívio.

Com o convite feito e a 4h30 de distância de Lisboa, não há tempo a perder e depois da apresentação apaixonada do técnico responsável, Álvaro Lopes, sobre as características únicas que fazem do Douro aquilo que ele é, chega a hora de pegar no balde e começar a vindimar a Touriga Nacional.

Não é acidental que ao longo da vinha nos cruzemos maioritariamente com senhoras, elas são as mãos de eleição pela sensibilidade que este trabalho exige. E, ao contrário do que acontece muitas vezes no sector primário, aqui o seu salário é igual ao dos homens.

Caso restassem dúvidas que a uva está madura, podíamos sempre recorrer ao que Álvaro nos ensinou previamente: ao trincarmos a uva e sentir a semente ela está crocante. Crocante e doce, acrescento eu! É ali, de joelhos no chão, com o sol nas costas e o Rio Douro a desenhar uma imensidão de azul à nossa frente que reparo que na película da uva há um certo esbranquiçado, “-pó?, perguntou eu, –Cera”; esclarece-me Álvaro. Esta cera, ou pruína, é responsável por proteger a uva e é também o local onde se fixam leveduras.

Entre um encher de um balde e outro paro alguns momentos a olhar para a videira, farta em folha e em uva, fazendo um exercício de memória até ao mês de Fevereiro em que fui perceber o que era a poda. Desta vez foi  com a ajuda do técnico Sérgio Soares da Quinta da Granja que identifiquei onde tinham sido feitos os cortes passados e quantas vezes aquela videira tinha dado uva. Está lá tudo “escrito”, desde que saibamos para onde olhar e como com a natureza as lições se sucedem aprendi também onde podemos ver a enxertia da vinha europeia e americana, única solução eficaz para prevenir a praga da filoxera.

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Chegada a hora do almoço somos elevados a 500m de altitude, com uma vista de 360º sobre o Douro. De cortar a respiração! Sobre esta paisagem magnífica, num dia soalheiro um almoço ao ar livre, a cargo da cozinha da Toca da Raposa de quem vos falo mais adiante, as degustações e conversas com companheiros de mesa têm inevitavelmente outro sabor. Pela mesa passaram Brancos, Tintos e Porto, da casa como não podia deixar de ser.

Antes de deixarmos a Quinta das Carvalhas passamos ainda pela Vinha Velha, onde as cores outonais se impõem criando uma magia cromática que se estende até ao rio. Aí, onde a Tinta Roriz dá o ar da sua graça, cheira a lavanda e a alecrim, que crescem logo ali ao lado.

É com os sentidos apurados que chegamos à Quinta da Granja onde chegam as uvas de todas as quintas da Real Companhia Velha, inclusive as que apanhámos nessa manhã. Na tentativa de as fotografar sai-me um brinde de uva mourisca para comer só depois de lavar! Somos levados a conhecer o processamento das uvas desde que chegam até à sua transformação em vinho que envelhece em barrica de madeira. Mas sabíamos que não estávamos ali só para passeio e era chegado o momento de mudar de roupa e lagarar. O êxtase do grupo não tinha palavras, caminhando por tudo o que era canto do lagar e onde se consegue sentir onde há uva mais pisada que outra. Os pés agradeceram a esfoliação, trincou-se uva moscatel galego e moscatel roxo e depois do dever cumprido foi a vez de brindarmos com um Porto Vintage 2005.

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De volta ao ponto de partida, na Quinta das Carvalhas fizemos a degustação final de diferentes brancos, tintos e Porto onde a experiência terminou brindada por uma incrível lua cheia.

 

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Depois de um dia assim o descanso era merecido e o regresso a Casal de Tralhariz assim o proporcionou. A propriedade, envolta na natureza duriense, é o sinónimo do regresso à calma da aldeia, com os sabores do pequeno-almoço caseiro e a simpatia de quem nos acolhe de forma genuína como tão bem o soube fazer Idalina Lopes. O pôr-do-sol é uma das recomendações da casa e a piscina permitiu, no início do Outono quente, o refresco pedido.

 

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Ainda no Douro aproveitei para conhecer o Palácio do Cidrô, propriedade da Real Companhia Velha, onde é possível visitar os jardins, mas o palácio só a convite. A imensidão das vinhas acompanha-nos até São João da Pesqueira.

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Como o caminho de regresso a Lisboa se avizinhava longo um almoço condigno da experiência impunha-se, e assim chegámos à Toca da Raposa, em Ervedosa do Douro. A casa familiar gerida pelos irmãos Fernando Gomes e Maria do Rosário prima pela simpatia, disponibilidade e uma dedicação cuidada ao serviço do vinho. Também o irmão mais novo, João Pedro, se mostrou amante da conversa sobre o néctar e com ele ficámos a conhecer o espaço de garrafeira destinada ao público que A Toca da Raposa inaugurará em breve. A qualidade e originalidade da carta de vinhos, por várias vezes premiada, alinha com a qualidade do que nos chega à mesa pela mão de Maria da Graça, a matriarca da família. Já íamos com recomendação feita com os milhos de bacalhau, mas igualmente irresistível se revelou o polvo na telha e o caldo de grão. Como almoço sem sobremesa não conta, chegou a vez do cheesecake com compota caseira de amora e morango. Tudo isto regado com um Crasto Superior (2012) e uma enorme vontade de aí regressar, uma vez que o bolo borrachão ficou por provar (especialidade da casa feita com porto de 40 anos). A reserva é aconselhável e ao domingo à noite só se servem a quem a fizer. Uma deliciosa forma de nos despedirmos do Douro até à próxima vindima.

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