Uma estória quando é contada com algum romantismo desperta mais curiosidade, envolver um tema num contexto mítico permite-nos dar largas à imaginação e não é difícil rendermo-nos a tal. Podemos começar com a lenda da invenção do Champanhe pelo monge beneditino Dom Pérignon, que em 1688 chegou à Abadia de Hautvillers e que além das funções de tesoureiro acumulou a responsabilidade da adega e produção de vinho, que desenvolveu com a ajuda do monge Dom Thierry Ruinart.

A zona de Champagne tem um clima frio o que faz com que a vindima aconteça mais tarde, em meados de Outubro. As temperaturas de inverno acabam por interromper o processo de fermentação, que volta a acontecer na Primavera com um clima mais quente. Esta segunda fermentação, que acontece na garrafa, aprisiona o dióxido de carbono que provoca as bolhas. Diz-se que Dom Pérignon ao provar uma garrafa que havia estourado devido à pressão, terá exclamado que saboreava as estrelas: Come quickly! I’m tasting stars!

A verdade é que Dom Pérignon não considerava as bolhas uma virtude, mas antes um defeito e a ele não se pode atribuir a real intenção de produzir um vinho espumante, pelo contrário, dedicou-se a perceber como eliminar o processo. Isso não impede que numa lógica comercial, a marca Dom Pérignon, da casa Moët  & Chandon tenha sido o primeiro exemplo do Cuvées de Prestige em 1936, uma categoria que representa o melhor Champanhe de um produtor.

dom perignon

Dom Pérignon, o monge a quem é atribuida a lenda da criação do Champagne.

 

É o inglês Christopher Merret que em 1662, apresenta na Royal Society o ensaio Some observations concerning the ordering of wines, onde se descreve o processo de adição de açúcar ao vinho de modo a provocar uma segunda fermentação e torná-lo espumante. Isto traduz um problema de datas, uma vez que ainda faltariam seis anos para que Dom Pérignon chegasse à Abadia…

Reclamações de invenção à parte, o certo é que Champagne é uma marca protegida na União Europeia. Apenas o vinho produzido na região AOC Champagne (Appellation d’Origine Contrôlée)  pode ser vendido como tal, e é o único vinho francês que não precisa dessa indicação no rótulo. A tentativa de utilização da palavra Champagne, para qualquer outro produto que não este vinho espumante, pode esperar uma acesa defesa do nome por via legal!

O carácter de glamour e festividade que lhe atribuimos tem origem nos hábitos das cortes europeias do séc. XVIII, que evidenciavam a escolha da bebida como um sinónimo de status, percepção que ainda hoje se mantém, apesar de preços mais acessíveis que ajudaram à “democratização” da bebida.

 

champagne

A região AOC Champagne (Appellation d’Origine Contrôlée) é zona mais a Norte de produção de vinhos em França.

 

A produção começa com um vinho base cujas castas por excelência são Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier, uma branca e duas tintas. A este vinho, que se quer neutro, é adicionado açúcar e leveduras para originar uma segunda fermentação dentro da garrafa, selada, o designado liqueur de tirage. É nesta fase que o dióxido de carbono ao dissolver-se no vinho produz as bolhas. Cada garrafa contém 250 milhões de bolhas!

As borras que se formam durante a segunda fermentação, devido à “morte” das leveduras, vão libertando sabores e aromas no vinho, um processo que se chama de autolysis e que pode levar meses ou anos.

No chamado método tradicional ou clássico (méthode champenoise) as garrafas são colocadas numa estrutura rectagular, um pupitre, com capacidade para 60 garrafas colocadas numa posição inclinada, com o gargalo apontado para baixo para que se possa dar início à remuage, um movimento de rotação manual que faz com que os resíduos se desloquem para o topo da garrafa.

pupitre champagne

No método tradicional a remuage é feita manualmente.

 

Manualmente este processo leva cerca de oito semanas mas, algumas casas optam pela mecanização deste processo, que se finaliza em oito dias.  Após a remuage é tempo do vinho envelhecer.

Chega depois a fase do disgorgement, a remoção dos resíduos do vinho,  e da dosage, a reposição da quantidade de líquido na garrafa libertada pelo disgorgement, o liqueur d’expédition, que inclui uma pequena quantidade de acúcar, à excepção dos Champagnes Extra Brut.

Mas com o Champagne a “estória” não acaba no engarrafamento. Há ainda uma variedade de grandes formatos de garrafa para os mais ávidos de bolhas. A que corresponde cada designação?

Magnum = 2 garrafas de 75cl  Jeroboam = 4 garrafas de 75cl  Rehoboam = 6 garrafas de 75cl                       Methuselah = 8 garrafas de 75cl  Salmanazar = 12 garrafas de 75cl  Balthazar = 16 garrafas de 75cl             Nebuchadnezzar = 20 garrafas de 75cl

armand de brignac champagne

Armand de Brignac – Ace of Spades. O Champagne pode ser engarrafado em diferentes formatos, de pequeno a grande.

 

O Champagne pode apresentar uma variedade de estilos que são indicadores das suas particularidades, e que podem reflectir, uma selecção apenas de uvas brancas (blanc de blancs), tintas (blanc de noirs) ou rosé , um determinado ano (vintage) ou um blend com colheitas de anos anteriores (non vintage), um vinho de qualidade superior de uma marca (cuvée de prestige), a não adição de líquido doce (non dosage) ou até uma localização geográfica específica (single vineyard).

 

estilos de champagne

Os Champagnes oferecem uma multiplicidade de estilos

A doçura do Champagne, também caracteriza o seu estilo e varia de acordo com o açúcar residual (açúcar que permanece depois de concluída a fermentação) sendo medida em gramas por litro.

O estilo Doux (+50 g/l) era muito apreciado pelos czars mas deixou de ser produzido, a última edição foi Carte Blanche, no ano de 1983 da casa Louis Roederer que actualmente é um demi-sec. Chegou a atingir os 180g/l.

estilos de champagne

O nível de açúcar no Champagne também define o seu estilo

Cada ano reserva características muito próprias, pelo que podem consultar as recomendações da Decanter sobre as colheitas com potencial de envelhecimento ou as que são para consumo imediato.

E agora, a produção de Champagne em movimento: